Vítor Jorge: O homem que matou sete

No dia 4 de março de 1987, Portugal acordava de forma trágica. Vítor Jorge, um cidadão normal, havia morto na noite anterior sete pessoas, entre as quais a esposa e uma filha. Ninguém em Portugal estava preparado para um crime destes. O País queria explicações, motivos. A discussão em tribunal, mais do que a qualificação dos crimes cometidos por Vítor Jorge, centrou-se nas questões da imputabilidade. Discutiram-se argumentos. O professor catedrático de Psiquiatria e Psicanalista, Eduardo Cortesão, nascido em Lisboa em 1919 e, entretanto já falecido, defendia que Vítor Jorge era inimputável e que, por isso, devia ser-lhe aplicada uma medida de segurança. Um outro grupo de psiquiatras, defendeu o contrário, ou seja, que ele era imputável e por isso devia ser julgado como qualquer outra pessoa. Hoje, pendo para a opinião do Prof. Eduardo Cortesão, possivelmente, Vítor, atendendo aos problemas de personalidade que apresentava e apresenta, deveria ter sido sujeito a uma medida de segurança, dado que é um perigo para a sociedade e para si, depois de ter cumprido a pena a que foi condenado. DIÁRIO DO CRIMINOSO Mas o que levou este homem a praticar atos de tão grande brutalidade? Mais do que os factos dados como provados em tribunal, importa dar especial atenção a um diário escrito pelo próprio e que foi junto ao processo. Vítor Jorge era um homem normal, casado com Carminda e pai de três filhos, Sandra, Anabela e Manuel, que há altura dos factos tinham 17, 14 e 10 anos respetivamente. Vivia na aldeia de Amieira – Leiria, onde era uma pessoa conhecida e bem integrada socialmente. Trabalhava na agência do BESCL da Marinha Grande, onde era contínuo. Aqui começaram os problemas, já que ele se sentia humilhado pelos colegas, o que o levava a sentir um ódio profundo pelo gerente daquela agência e por alguns colegas. Desejava-lhes a morte. Vítor Jorge lutava já com um inimigo que estava no seu interior. Começou a escrever um diário, no qual ajustava contas com a sua consciência e em que escreveu o nome das pessoas que queria matar e o motivo. Registou mágoas e teceu considerações sobre uma sociedade corruptora, principalmente no que toca às mulheres. O seu ódio começava na sua própria mãe, Maria da Piedade, que se tinha separado do pai dele, tendo ido viver para Lisboa, onde encontrou outro companheiro. Escreveu ele que, quando era criança, a sua mãe o obrigava a dormir  na mesma cama enquanto fazia amor com o companheiro. Também escreveu que nunca perdoou o facto de a sua mulher não ser virgem quando casou consigo. No diário escreveu também que não aguentava imaginar que a sua filha mais velha começasse a namorar e manifesta a vontade de matar a rapariga para livrá-la de uma sociedade corrupta e doente. “Estou cansado de ocultar e fingir. Cansado de tanta infelicidade. Revolto-me contra tudo e contra todos. O ódio instalou-se no meu coração e substituiu de forma implacável o já pouco amor nele existente. Como posso tentar viver em paz quando desejo liquidar as pessoas da minha família?”, escreveu no diário. Ele sentia que estava no seu limite. Procurou ajuda especializada, mas não foi levado a sério. Um dia tudo mudou. Vítor Jorge, que além de contínuo no BESCL, era fotógrafo de batizados e casamentos aos fins de semana, é contratado para um batizado na zona de Pombal. Nesse batizado apaixona-se por uma jovem de vinte e poucos anos: Leonor. Esta mostra-se interessada, falam e encontram-se várias vezes, fazendo crescer a paixão em Vítor. Um dia sofre o mais profundo dos golpes; Leonor confessa-lhe que tudo era a brincar e que tinha uma relação com um rapaz. Leonor estava mesmo de casamento marcado com José Pacheco, um jovem militar. Vítor Jorge não aguenta o desgosto. Talvez sentindo-se culpada, Leonor convida Vítor Jorge para a sua festa de aniversário, perto da Praia do Osso da Baleia. O homem aceita mas na mala do carro, um Renault 4 L, uma caçadeira e uma enorme faca de mato, para matar Leonor. Na festa de aniversário estava um grupo significativo de pessoas, que diminuiu até ficarem apenas seis – Vítor Jorge, José Pacheco, Leonor e três amigos dela – Maria do Céu e Isabel – e um rapaz, o Luís. Em determinado momento e como José Pacheco tinha de regressar ao quartel, o grupo decide levá-lo à estação da Guia. Vão no carro de Vítor. Quando chegaram à estação da CP tomaram conhecimento de que o comboio circulava com enorme atraso. Decidem então, por sugestão de Vítor, ir dar um passeio até à Praia do Osso da Baleia. Na praia passeiam, correm e depois deitam-se na areia. Vítor Jorge aparece com a caçadeira e a faca na mão. Dispara sobre José Pacheco, matando-o de imediato, e atinge Leonor. Dispara mais duas vezes, sobre Luís, Maria do Céu e Isabel, que tentam fugir, porém são perseguidos por Vítor Jorge que os esfaqueia, tirando-lhes a vida. Empurra os corpos de Isabel e de Leonor para o mar, deixando os outros na areia. Possivelmente lava-se no mar, e ao volante da sua viatura, regressa a casa. O ASSASSÍNIO DA FAMÍLIA Segundo a investigação chega a casa, cerca das 02h00, acorda a esposa e diz-lhe que precisa de ajuda. Conta-lhe que atropelou um homem. Carminda, a mulher, levanta-se, veste-se e acompanha-o. Entra no carro com o marido e antes de chegarem à localidade de Amor, no concelho de Leiria, Vítor sai do carro e diz à mulher que o corpo do homem está no pinhal, escondido. A mulher entra no pinhal, seguida por Vítor Jorge que acaba por matá-la à facada, atacando-a pelas costas. Regressa ao carro e volta sozinho para casa. De novo em casa encontra a filha mais velha que se assusta quando vê o pai entrar ensanguentado. Vítor Jorge ter-lhe-á contado também a história do homem atropelado. Pede à filha para ir com ele ao local, onde a mãe ficou. Anabela acompanha o pai que no pinhal a esfaqueia à traição. Pensou que a matou, deixando-a no local entregue à sua sorte e volta a casa. Vítor Jorge regressa ao local, agora acompanhado da filha mais nova, Sandra, que vê os corpos da mãe e da irmã e foge pelo pinhal fora, sendo perseguida pelo pai de faca na mão. Vítor apanha a filha, que chora e suplica ao pai que acaba por deixá-la em paz. Vítor Jorge fugiu do local, e desapareceu. Foi encontrado ao fim de três dias escondido num barracão. No dia seguinte, na Praia do Osso da Baleia, a polícia encontrou quatro corpos, três na areia e um dentro de água. Só o corpo de Leonor foi localizado onze dias depois, quando o mar o devolve. Nesse mesmo dia são também encontrados os corpos da esposa Carminda e da filha Anabela, no pinhal da freguesia de Amor. Vítor vê o tribunal decretar-lhe prisão preventiva. Fica a aguardar na cadeia de Leiria. Em tribunal, o advogado de Vítor Jorge sustenta que o seu cliente é inimputável. Esta tese é defendida pelo professor Eduardo Cortesão, psiquiatra do hospital de Coimbra, que afirma que Vítor é doente esquizofrénico e, como tal, não pode responder pelas suas ações. O próprio Vítor, quando interrogado pelo tribunal, afirma que não fez mal a ninguém e responsabiliza sempre “o outro”, que vive dentro de si. Uma outra perícia médica efetuada por psiquiatras do hospital de Leiria conclui o contrário, ou seja, que Vítor Jorge é imputável, que sabia o que fazia e tinha pleno controlo da sua vontade e dos seus atos.  O tribunal aceita esta tese e condena Vítor Jorge a 20 anos de prisão, a pena máxima à data. Cumpriu 14 anos, tendo sido libertado por bom comportamento. À sua espera estava o filho mais novo com 24 anos feitos. Vítor Jorge tem hoje 66 anos e continua a ser um homem doente, que precisa de acompanhamento psiquiátrico. Desde que saiu da prisão em 2001 tem andado entre Inglaterra e, principalmente França, e Portugal. Em França, onde é ajudado por uma prima, tentou suicidar-se uma dúzia de vezes. Depois da cadeia encontrou companheira – Christine, hoje com 42 anos, natural da ilha de Reunião – fez limpezas no aeroporto de Córsega, deu serventia a pedreiros e fez alguns biscates. Mas a sua situação mental é instável. Em setembro de 2007 enviou a amigos uma mensagem : “Perdoem-me mas recuso voltar a matar para sobreviver psicologicamente! Seis anos a lutar contra os meus demónios e só… É muito tempo! Christine tem um coração nobre, ajudem-na!”. Regressemos à questão inicial: será este homem um assassino miserável, um homem frio, calculista, capaz dos atos mais atrozes ou estaremos perante uma pessoa que sofre de doença mental e que sem tratamento é uma bomba-relógio, podendo matar a qualquer momento? Foi preso e condenado. Cumpriu a pena e foi devolvido à sociedade. Estará recuperado? Aparentemente não. Tem necessitado de acompanhamento psiquiátrico. Tentou suicidar-se doze vezes. Isto quer dizer o quê? Que deseja a morte, por não poder com os traumas que carrega ou trata-se apenas de tentar chamar a atenção dos outros, mostrar-se, dizer ‘estou aqui’. É que quem deseja efetivamente o suicídio não necessita de tantas tentativas. Será que neste caso a prisão foi a melhor solução? Ou teria sido melhor uma medida de segurança que o tratasse? Cumpriu 14 anos de prisão, mas a qualquer momento podemos voltar a ouvir falar dele e dificilmente será por boas razões. Provavelmente, a razão estava com o Prof. Eduardo Cortesão.

Fonte: in site Correio da Manhã

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